Artigos BLEEV
Tendência

Dizem que o que você procura também está procurando por você!

Ninguém tem o poder de decidir ou rotular se você deve sofrer ou ser feliz numa determinada fase de sua vida.

Era uma manhã qualquer de sábado de 2011. Fiz minha mala e parti para visitar minha família em Atibaia, rotina essa repetida duas ou três vezes a cada mês.

Estrada nem sempre tão tranquila – Fernão Dias, para quem vive em São Paulo, uma das menos desejadas –, mas segui fazendo uma das coisas que mais amo nessa vida: dirigir ouvindo meu som alto, trance music, definida por mim como ‘música de alma’.

Chegando em Atibaia, mamãe (a partir de agora citada como “Mê”, como sempre a chamamos desde crianças), me recepciona com o calor amoroso de sempre… beijinho de bom dia, “viagem foi tranqüila?”, bolo novinho ainda cheirando a forno em cima da mesa. Pego meu pedacinho de bolo e vou sentar na cadeira da cozinha para aproveitar cada segundo da companhia. Estávamos só nós duas. Os irmãos ainda dormiam, e ficamos batendo aquele papo: acontecimentos da semana na família, no trabalho, na igreja, opiniões políticas sobre os ocorridos com o mundo… tudo fluindo no mais comum momento em família!

Eis que depois de algumas horas de papo, Mê me parece um pouco mais preocupada e cuidadosa do que o normal na conversa. Parecia procurar palavras para falar algo que sentia. E então vem a revelação, no tom mais sereno e calmo que poderia ser: “Descobri um caroço em meu corpo, e vou ter que ir ao médico. Não parece ser algo simples e preciso tratar. Não contei antes porque sempre alguém tinha um problema, e fui adiando até aparecer o momento certo. Mas agora chegou a hora”.

Eis que as palavras entraram pelos meus ouvidos, e a cena daquele momento parou, estilo filme:  tudo começou a passar lentamente pela minha cabeça, silêncio absoluto ao fundo, um transtorno de sentimentos indo e voltando do cérebro para o coração, do coração para o cérebro, a cada milésimo de segundo… “E agora? Putz, vou chorar… ela é minhaaaaaa mãe, nada pode acontecer com ela nunca!!! Não… mas calma, Cel! Fica tranqüila pois ela é forte e vai passar por mais essa, como sempre. Mas e se não passar?! O que vai acontecer conosco?! Não, mas vai passar, ela vai conseguir tirar de letra, pare de pensar bobagens! Dê força a ela, sorria, fique tranqüila, calma.” E antes que o pensamento ruim e pessimista voltasse a minha mente, dei um basta na cena em minha cabeça e voltei para a realidade, dando força para entendermos juntas que o momento era sim preocupante, mas que ia dar tudo certo. E lembro-me como se fosse ontem, que começamos a rir e falar de planos para ir ao médico, fazer o tratamento e logo encerrar tudo o que estava pendente e atormentando a paz do dia a dia.

Terminamos a conversa, os irmãos chegaram, almoçamos, o dia passou…

Depois disso, Mê passou por diversos exames e tivemos finalmente o diagnóstico: câncer de mama, com 5 cm, tratamento imediato para combate a essa doença que deixa todos sempre meio doidos só de pensar nas consequências.

Conversamos muito entre os irmãos… era engraçado. Cada um contribuía da sua forma: enquanto uns distribuíam pensamentos otimistas, dando força a todo o momento com palavras de fé, alegria, sorrisos, outros analisavam os exames como se fossem médicos formados há anos: consultas no Google, sites especializados, comidas e receitas boas para se amenizar os efeitos da doença. Outros davam carona para o hospital, laboratório, consultas, levando pra cima e pra baixo e sempre fazendo companhia para Mê nunca se sentir sozinha nesse momento.

Os momentos de quimioterapia passaram. Não acompanhei tão de perto pois todas as sessões foram em Bragança Paulista, e eu não estava presente por conta do trabalho do dia a dia em São Paulo. E eu sabia que meus irmãos estavam presentes ao lado dela, a cada segundo. A cada notícia de nova sessão, todas fresquinhas em minha memória, era um misto de sentimentos:

“Mê saiu da quimioterapia hoje e foi fazer faxina na casa, pois estava bagunçada. Você acredita nisso?!”, contou um dos irmãos.

“Hoje, após a sessão de quimio, enquanto todos tinham enjôo e não comiam as comidas que o hospital oferecia, eu fui perguntar logo o que era o cardápio do dia pois estava com muita fome. Nossa! Era sopa de legumes!!! Amo sopa!!! Adorei, comi tudinho, estou me sentindo ótima!”, conta Mê por telefone.

Inacreditável! Passei todo esse tempo pensando o que poderia ter dentro da minha mãe que a fazia encarar as coisas dessa forma… fazer faxina logo após terminar a quimio? Como pode isso? Todo mundo passa mal por dias e dias após essas sessões. São muito fortes! Lembro-me de uma passagem que Mê me contou sobre alguns pingos do líquido da quimio terem caído no chão do hospital. Imediatamente os médicos isolaram a área, pois o risco de contaminação era enorme. Alguns pingos!!! E minha mãe estava inserindo vários pingos desse líquido no sangue, a cada 15 dias. Como poderia estar se sentindo assim tão bem?! Seria a alimentação com sementes e ingredientes dos mais variados, com fama de cura do câncer?

E então, durante um telefonema corriqueiro durante a semana, eis que ela me fala uma frase que começou a fazer sentido frente a todos esses questionamentos: “O médico hoje leu meus exames, e no meio da conversa começou a falar sobre a minha ‘doença’. E eu o corrigi: eu não estou doente, não tenho doença nenhuma. É o seu papel  – o exame – falando isso, contra minha opinião sobre como estou me sentindo no dia a dia. Então não me fale que estou doente, porque não estou, até que você prove o contrário”.

Tudo começou a fazer sentido em minha mente.

A quimioterapia terminou, a cirurgia aconteceu… isso depois de muitas idas e vindas, por conta da falência da UNIMED.

E eis que chegou o momento mais marcante pra mim: o início das sessões de radioterapia. Por obras do destino, Mê não conseguiu fazer a radio em Bragança, pois lá o serviço não estava disponível. Então o médico a alocou para fazer as sessões em São Paulo, no IBCC localizado no bairro da Mooca. Onde eu morava na época? No Ipiranga… bairro imediatamente vizinho!  Não acreditei! Tudo ficaria muito mais fácil: Mê viria às 2as feiras para cá, e eu a levaria às sessões toda noite, já que escolhemos o horário das 21h para que não interferisse no meu trabalho. Afinal de contas, seriam 28 dias, e não 1 ou 2.

A primeira 2ª feira chegou… ela me ligou do metrô às 17h, e fui buscá-la direto do serviço! Lá estava ela, com sua malinha pequenina, apenas com algumas roupinhas para a semana e seus variados livros para passar a temporada. Afinal de contas, trocar uma casa em Atibaia por um minúsculo apartamento em São Paulo não é uma tarefa das mais fáceis.

Chegamos ressabiadas à primeira sessão, sem saber muito bem para onde ir, se estaria cheia de gente ou não (perdemos o plano da UNIMED e agora era tudo via SUS, então o medo de filas extensas era enorme).

Na salinha de espera da radio, pessoas dos mais variados tipos aguardavam sua senha no telão. Olhávamos para um lado, para o outro, sem saber muito bem o que ia acontecer, o que fazer. E então percebi que cada pessoa que saía da sala e ia embora, passava por nós com um grande sorriso no rosto acompanhado de um “Boa Noite” dito com gosto, e não por educação, como sempre vemos por aí!

No segundo dia a cena se repetiu: todos se cumprimentavam, se olhavam, riam uns para os outros! E comecei a pensar: “Caramba! No meu prédio em que moro há 8 anos as pessoas não me olham no elevador. Se preciso de açúcar ou sal, preciso ir ao mercado comprar, pois os vizinhos mal se conhecem. Aqui, num hospital, todos cuidando dos seus problemas, ao invés de estarem tristes e fechados em seu mundo, estão sorrindo e conversando uns com os outros”.

Então conhecemos Betinho, o marido de D. Cremilda, que também tratava de um câncer de mama. Ela já havia iniciado o tratamento há mais de uma semana. Começamos a conversar e isso se repetiu dia após dia. Quando nos demos conta, a ida noturna para o IBCC tinha se transformado num evento social, e nada tinha a ver com tratamento de doença!

Num certo dia, enquanto eu, Mê, D. Cremilda, Betinho e mais dois senhores acompanhantes de pacientes estávamos numa roda no maior papo e gargalhando com as histórias contadas, o enfermeiro Rodrigo da Ala 3 abriu a porta para chamar D. Cremilda e soltou um belo desabafo: “Mas isso aqui está parecendo um circo, e não um hospital!”

A partir desse momento, começamos a chamar de risoterapia ao invés de radioterapia.

O tratamento de D. Cremilda terminou! Que benção! Betinho quis comemorar e fomos a uma pizzaria. Passamos horas e horas rindo e comendo, jogando conversa fora, e quando saímos, quase 23h, demos um abraço coletivo em plena Av. Paulista – então Betinho falou em voz alta para quem quisesse ouvir: “Deus está vendo tudo de lá de cima; nossa amizade é obra dEle!”

Uma semana depois, aos 15 de fevereiro de 2014, Mê encarava também com alegria sua última sessão de radio. Levou chocolate para o enfermeiro Rodrigo e para o médico que a atendeu uma vez por semana. Saímos de lá e quem estava nos recepcionando? Betinho e D. Cremilda; saíram de sua casa, num dia de chuva, 6ª feira de rodízio de carro em São Paulo, e vieram comemorar conosco a hora da vitória da Mê. Fomos todos para a pizzaria, e novamente ficamos até quase meia-noite, só conversando, rindo, falando das coisas boas da vida!

Ao recapitular todo esse momento de minha vida, e principalmente essa fase da radioterapia a qual vivi intensamente, faço uma reflexão final: no último dia da sessão, o ambiente do hospital me parecia outro totalmente diferente: as pessoas estavam sérias, ninguém sorria um para o outro, o ambiente era totalmente de hospital mesmo, cada um fechado no seu próprio problema, angustiado. Cheguei então finalmente a duas conclusões:

Quem faz um momento ser bom ou ruim é cada pessoa. Ninguém tem o poder de decidir ou rotular se você deve sofrer ou ser feliz numa determinada fase de sua vida. O ambiente ao seu redor é um resultado do que você oferece ao mundo: você dá, e ele te devolve na mesma moeda! Dizem que tudo o que estamos procurando, também nos está procurando e que, se dermos a chance, nos encontrará.

Quando você acredita em algo maior (seja Deus, seja um espírito elevado, seja uma energia do mundo), seus momentos são regados por uma força inexplicável. Eu e Mê fomos ao IBCC dispostas a passar por um momento especial, sem dor, sem doença, sem tristeza… e algo (Deus, espírito elevado ou energia positiva) nos inseriu numa ciranda rodeada por pessoas no mesmo astral, na mesma sintonia. E flutuamos, deixando os problemas enterrados lá embaixo.

Não pretendo com esse texto ser exemplo disso ou daquilo, mas somente ser um testemunho vivo de uma fase que vivemos, que poderia ter sido um horror, mas foi linda! Sinto que nossa vida pode ser mais prazerosa e menos difícil dependendo da forma como rotulamos e vivemos cada momento dessa nossa passagem curta por aqui!

A vida real é para os fortes! Para os não tão fortes, resta sonhar com o fantástico mundo de Bob, perdendo pelo caminho as belas e mágicas oportunidades de encarar, vencer, comemorar! Pelo nosso caminho, sempre haverá uma janelinha pra você sentar e escolher para qual lado vai querer olhar: o da paisagem show com momentos lindos e alguns de “aventura” com curvas que causam frio na barriga, ou a vista numa reta monótona em que só se enxergam os precipícios! Minha mãe Mê sentou na janelinha da vida e nessa fase se divertiu com tudo o que foi mostrado, e encarou as curvas às vezes até fazendo hola! Viva a vida, do jeitinho que ela é!

Este texto foi escrito por mim em 20 de fevereiro de 2014, um tempinho depois de termos encerrado a risoterapia de mamãe!

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo